Estou em silêncio. Sinto a quentura do meu sangue nas mãos, e quero saber por quanto tempo continuarei respirando. (...)
Aproveito um instante para recordar toda a minha vida, e tento vê-la pelo que foi. Em meio à loucura que encontrei, à correria e ao choque, e à brutalidade das colisões da humanidade que presenciei, houve momentos. AMOR. Paixão. Promessa. A esperança de algo melhor. Isso tudo.
(...)
Essa foi a minha vida.
Uma vida desenrolada como um fio, de resistência incerta, comprimento desconhecido; quer termine de chofre*, quer corra indefinidamente, ligando mais vidas no seu curso; num caso, não mais que algodão, apenas suficiente para unir uma camisa nas costuras; no outro, uma corda - de três fios, nós de cabeça de turco, todos os fios e todas as fibras alcatroados e torcidos para repelir água, suor e lágrimas...
Uma vida para segurar, ou para ver escorrer pela palma das mãos indiferentes e desatentas, mas sempre uma vida.
(...)
O tempo corre reto como uma linha de pesca auspiciosa, as semanas formando meses, formando anos; mas, com esse tempo todo, um instante de dúvida, e lá se vai o prêmio.
Momentos especiais - esporádicos, como nós apertados, espaçados irregularmente como corvos num fio de telégrafo -, esses lembramos e não nos atrevemos a esquecê-los, pois muitas vezes são tudo o que resta para mostrar.
Recordo todos eles, e muitos outros mais, e em algumas ocasiões me pergunto se a imaginação não influiu no desenho da minha vida.
Pois é isso que foi e sempre será: uma vida.
Sou um exilado."
*Chofre: Choque repentino.
Prólogo do livro: Uma Crença Silenciosa em Anjos
Autor: R. J. Ellory